Locação de salas em clínicas médicas: responsabilidade entre locador e locatário, com foco no coworking médico.
- Flávia Malaquias

- 29 de jan.
- 11 min de leitura

1. Introdução.
A locação de espaços, entre médicos, para atendimento de pacientes, vem se tornando algo comum na atualidade.
Neste exponencial crescimento, temos visto a locação de salas, pelo meio convencional de contratação (mensal/anual) de espaço (sala) e a locação via coworking, onde loca-se o ambiente apenas alguns dias da semana ou até mesmo algumas horas.
A ideia por trás das locações, é a visão empreendedora do médico locador que busca aumentar seu faturamento e a do médico locatário que, na maioria das vezes, não terá despesas com a montagem estrutural de sua clínica ou consultório.
Dentre as razões que levam os médicos locatários, principalmente os em início de carreira, a buscarem a alternativa do coworking, é a flexibilidade de atendimento em mais de uma cidade ou bairro com a utilização da sala somente alguns dias da semana e a economia, uma vez que para manter uma clínica ou consultório sozinho, inicialmente, requer custos elevados.
Ainda, essa modalidade locatícia permite o início imediato de atendimentos. Isto, pois, não há necessidade de investimento inicial, tendo a clínica um ambiente preparado com equipamentos, secretária, internet, equipe de limpeza, etc. para recepcionar e atender os pacientes, tudo incluso no valor do aluguel.
Como desvantagem ao médico locatário, temos a eventual limitação que médico locador pode aplicar a investir em alterações na estrutura da clínica, que poderiam beneficiar o trabalho e atendimento do locatário. Outro ponto é que os horários pré-definidos para utilizar o local não dão a liberdade que o locatário teria se estivesse em sua própria clínica ou consultório, na modalidade de locação convencional.
Do outro lado, o médico locador poderá alugar a mesma sala para mais de um profissional, com atendimento em dias e horários diferentes.
Em se tratando de locação convencional, os contratos das salas abrangem períodos mais longos e uso exclusivo do médico locatário, sendo o acesso livre ao espaço uma das vantagens. Isto, pois, não limita o profissional a dias pré-definidos para a utilização da clínica ou consultório.
Vale destacar que, independente da modalidade de locação, é responsabilidade do médico locador regularizar as exigências junto à vigilância sanitária, pagamentos de tributos, alvarás, enfim, toda estrutura da clínica, para que esteja em conformidade com a lei e possa atender as necessidades dos médicos que estarão atuando no local.
Por isso, extremamente importante que o locador e o locatário estejam atentos às condições estabelecidas no contrato, em conformidade com a legislação e cientes dos seus direitos e obrigações, para evitar futuras insatisfações entre os médicos e, principalmente, evitar qualquer situação que possa causar desconforto para os pacientes. A boa relação entre os médicos e pacientes sempre será fundamental para se obter o melhor resultado no atendimento e tratamento.
Neste artigo buscaremos abordar as camadas de responsabilidade entre médico locador e médico locatário, para com o paciente.
2. Requisitos locação comercial;
É notório que temos em nosso ordenamento jurídico, duas modalidades de locação, a comercial e residencial. Ambas regidas pela lei 8.245/91 devendo obedecer a certos requisitos para terem validade no mundo jurídico.
Ao tema proposto, nos interessa analisar como deve ser formado o contrato de locação comercial para os profissionais da saúde que se interessem em ter um espaço para estruturar sua clínica ou consultório. Assim, vejamos.
Os negócios jurídicos, como o contrato locatício, em sua essência, conforme dispõe o artigo 104º do Código Civil, devem ter partes capazes; objeto lícito, possível e determinado (ou determinável) e forma prescrita ou não defesa em lei.
Em outras palavras, as partes devem ser plenamente capazes de praticar os atos da vida civil, exercendo seus direitos e cumprindo suas obrigações nos termos de lei (médico locador e médico locatário); o bem transacionado deve ser legal e possível de ser obtido (sala comercial) e o negócio deve ser feito nos termos previsto na legislação vigente (lei de locações) ou de outra forma, desde que não proibido por lei.
Partindo desta premissa, temos na legislação locatícia que os contratos devem ser, bilaterais ou plurilaterais, onerosos, comutativos, consensuais e típicos. Analisemos.
Por bilateral ou plurilateral, deve-se entender que o contrato de locação comercial pode ser firmado por dois ou mais contratantes, sendo todos simultânea e reciprocamente credores e devedores um dos outros, produzindo direitos e deveres para todos e de forma proporcional.
Oneroso, na medida em que as partes terão obrigação de cumprir a uma prestação, correspondente a uma perda patrimonial da outra parte. Nesta situação, o médico locador que cederá o seu espaço ao médico locatário mediante o pagamento mensal de aluguel.
Consensual, pois aperfeiçoado com a simples manifestação de vontades das partes envolvidas.
Comutativo, tendo em vista que, todas as partes estarão cientes de quais prestações terão que cumprir durante a vigência contratual.
E, por fim, típico, sendo aquele contrato com uma exigência legal mínima, para ter validade no mundo jurídico.
Preenchidos os requisitos essenciais acima descritos, deve o médico locatário, na locação convencional, caso queira manter-se no seu “ponto comercial”, ficar atento ao artigo 51º da lei locatícia. Isto, pois, o dispositivo garante a renovação do contrato se observados os seguintes critérios: a) contrato celebrado por prazo determinado; b) prazo mínimo contratual de 05 (cinco) anos e c) esteja exercendo a mesma atividade comercial pelo prazo mínimo e ininterrupto de 03 (três) anos.
E, de extrema importância que, a lavratura do contrato seja feita pelo médico locatário através de pessoa jurídica, devidamente constituída, com finalidade empresarial, sendo seu exercício elemento essencial da empresa, nos termos do artigo 996º, parágrafo único, parte final, do Código Civil e artigo 51º, § 4º da lei locatícia. Caso, o profissional não observe estas peculiaridades, terá que devolver o espaço locado após o término do prazo estipulado em contrato, sem a garantia do direito de renovação estatuído no artigo 71º da lei 8.245/91, por força do artigo e parágrafo, parte inicial, supramencionado.
Vale dizer, também, terem as cortes superiores, pacificado o entendimento de que, profissionais liberais, como o médico, não possuem garantia da ação renovatória, caso lavrado contrato por meio da pessoa física. Verifiquemos.
Ação ajuizada por médico que exerce individualmente a profissão - O consultório médico não pode ser concebido como atividade comercial capaz de garantir o direito de renovação da locação com base na Lei nº 8.245/91 - Precedentes - Previsão contratual de alongamento da locação a depender do consenso entre as partes, sem caráter compulsório - Pedido de retomada do imóvel feito em sede de contestação - Incidência do artigo 74,da Lei 8.245/91, com a redação já alterada pela Lei Federal nº 12.112/09- Determinação para que o autor desocupe o imóvel no prazo de 30 dias - Apelação do autor não provida, provida a do réu. (Processo 0044018-31.2007.8.26.0562 Apelação. Relator(a): Sá Duarte. Comarca: Santos. Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento: 28/02/2011. Data de registro: 04/03/2011.
Assim, no panorama jurídico atual, o médico, através de uma sociedade simples, desempenhando atividade com fins lucrativos, terá a proteção conferida pela ação renovatória.
Com um panorama completamente diferente temos o Coworking que será abordado em tópico específico.
Por isso, de suma importância que o contrato esteja coberto com todas estas particularidades, para que seja válido e permita ao profissional da saúde exercer sua profissão sem preocupações, mantendo seu local de trabalho amparado por toda a legislação vigente.
3. Locação mensal de salas: responsabilidade entre médico locador e locatário;
No cenário atual, é bastante comum que médicos proprietários de clínicas ou consultórios aluguem salas para outros médicos. Contudo, muitos desconhecem as responsabilidades de ambas as partes que surgem por meio desta relação.
Inicialmente, vale referir que é fundamental um contrato de locação preencher os requisitos mencionados no tópico acima, bem como os limites da relação entre o médico locador e médico locatário. Isto, pois, dependendo do caso concreto, poderemos ter uma responsabilização solidária entre ambos. Verifiquemos.
Caso o médico alugue uma sala, dentro de uma clínica, de maior porte, para atendimento particular e, além disso, integre o corpo de profissionais do local, existirá um tipo de responsabilidade, caso apenas alugue a sala de forma totalmente autônoma e sem qualquer tipo de vínculo com o local, existirá outro tipo de responsabilidade por parte da clínica que está locando a sala.
Parte da doutrina entende que para as clínicas e os hospitais não se aplica o regime da culpa, tendo por base o que preleciona o artigo 14, º4º do Código de Defesa do Consumidor. Neste sentido, a responsabilidade civil de clínicas seria objetiva, ou seja, eles respondem independentemente da existência de culpa, pela reparação aos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como informações insuficientes ou inadequadas, sobre sua fruição e riscos.
Assim sendo, conclui-se que caso o médico faça parte do corpo clínico do local, médico e clínica responderão em conjunto por eventuais danos causados ao paciente.
Todavia, caso o profissional esteja apenas alugando uma sala para colocar seu consultório individual, de forma totalmente autônoma dos demais médicos que estejam dividindo o espaço, a princípio o médico locador (proprietário da clínica), não terá qualquer responsabilidade sobre as atividades exercidas pelo locatário.
Melhor esclarecendo, pode ocorrer de o paciente sofrer um erro médico e demandar a clínica como um todo, inclusive o médico que utiliza a sala locada, de forma isolada. Por isso, importante constar no contrato de locação ou sublocação, se for o caso, que estes não possuem qualquer tipo de vínculo, sendo a atuação do médico locador totalmente distinta do médico locatário.
Ademais, o médico locatário deve se atentar às condições do local em que está alugando a sala. Para exemplificar, podemos ter a situação de médico cardiologista realizando um exame ergométrico onde o paciente sente-se mal e necessita de atendimento de urgência. De extrema importância observar se a clínica/consultório possui acessibilidade para o acesso de socorristas utilizando macas. Por isso, verificar se o local atende os requisitos mínimos que a especialidade médica demanda é extremamente necessário.
Já o médico locador, com relação ao exemplo acima, também deve estar atento a especialidade do médico que está locando o seu espaço com o fim de evitar problemas futuros.
Por fim, e não menos importante, cabe frisar além das questões concernentes à responsabilidade profissional, também vale elencar alguns dos principais deveres do médico locador: a) entregar o imóvel ao locatário em estado de servir ao que se destina; b) cumprir o tempo da locação, conforme acordado em contrato; c) responder pelos vícios ou defeitos anteriores da locação; d) caso o locatário solicite, deverá fornecer descrição minuciosa do estado do imóvel, quando da sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes; e) fornecer recibo discriminado do pagamento do aluguel, sendo vedada a quitação genérica; f) pagar as taxas de administração da imobiliária, caso haja esse tipo de intermediação; g) pagar impostos e taxas, bem como seguro contra fogo, salvo disposição expressa em contrário em contrato.
Outra questão importante, refere-se à sublocação do imóvel, ou seja, ela ocorre quando o médico aluga um espaço maior e deseja locar uma parte deste para outro médico ou profissional da saúde.
A situação acima é possível, desde que haja cláusula no contrato de locação consentindo com esse tipo de prática, além disso o valor do aluguel da sublocação não poderá exceder o da locação.
4. Coworking;
Não é mais novidade no mercado de locação a modalidade do coworking. Tal forma de negócio jurídico vem se mostrando extremamente rentável para àquele que cede o espaço e vantajoso ao que realiza a locação.
De forma bem sucinta, podemos entender o coworking como um espaço corporativo compartilhado, onde o locador fornece ao locatário todos os recursos administrativos necessários (secretária, internet, computador, ar condicionado, equipamentos etc.) para que possa exercer sua atividade profissional de forma plena.
Com esse exponencial crescimento, vem sendo debatido na doutrina e nos tribunais qual seria a natureza jurídica desse negócio, prevalecendo, a corrente que entende se tratar de uma modalidade mista de locação de espaço e equipamentos e prestação de serviço. Entendimento vencido, afirma se tratar de uma espécie de contrato de hospedagem.
Dentro deste cenário, temos o coworking na área da saúde que, apesar do grande crescimento, pouco se estuda sobre. Por isso, nos permitimos imaginar um cenário no qual o espaço é uma clínica ou consultório e que locador e locatário são médicos.
Partindo desta premissa tentaremos abordar o nível de responsabilidade de ambos perante eventual paciente que no local será atendido.
Como cediço, a responsabilidade médica é pautada na teoria subjetiva, devendo contra o profissional ser provada sua negligência, imprudência ou imperícia.
No atendimento de um paciente no ambiente de Coworking, sua responsabilidade originária permanecerá, não havendo que se falar de responsabilidade objetiva do médico locador, como depreende-se no erro médico dentro do ambiente hospitalar, respeitadas certas particularidades.
Entretanto, podemos nos deparar com situações em que o local fornece equipamentos defeituosos para realização de exames de baixa complexidade, como por exemplo, um eletrocardiograma, ou possui uma secretária que não se atenta as normas de LGPD, não emite o competente recibo, entre outros problemas estruturais.
Nestes casos, devemos ficar atentos ao lastro de responsabilidade que cada profissional irá ter.
Devemos ter em mente que em se tratando dessa modalidade de negócio, com sua natureza mista de locação e prestação de serviço, àquele que fornece estrutura e equipamentos deve responder sob a égide do artigo 14º do código de defesa do consumidor.
Assim, à título de exemplo, caso o paciente ao realizar seu exame no ambiente do Coworking, obter um resultado equivocado por falha exclusiva do equipamento utilizado ou por falta da manutenção adequada deste, o médico locador responderá, objetivamente, observando a cadeia de responsabilidades consumerista, bem como a causalidade adequada do direito civil, pelo dano, eventualmente, causado.
Do outro lado, o médico locatário, dentro da sua expertise, e das informações obtidas em consulta, deve ficar atento as possíveis contradições obtidas com o exame realizado, para não dar um falso diagnóstico e causar danos irreversíveis ao paciente, que poderá, a depender do caso, pleitear a devida indenização.
5. Conclusão;
Conforme narrado no decorrer do artigo, denota-se que cada vez mais faz parte da rotina dos médicos, especialmente aqueles que estão iniciando a carreira, o aluguel mensal de salas para ali funcionarem os seus consultórios, assim como o uso do coworking, sendo este último uma prática bastante recente.
Contudo, percebe-se que muitos profissionais não possuem pleno conhecimento dos seus direitos e deveres, existentes na relação entre médico locador e locatário e, muitas vezes, não utilizam uma consultoria especializada, com o fim de auxiliá-los nestas situações.
Inicialmente, vale pontuar que o médico locador é o responsável pela manutenção do local, por manter toda a estrutura da clínica em funcionamento, cumprir as exigências perante os órgãos de fiscalização como, por exemplo: alvarás de licença e funcionamento, cumprimento de regras sanitárias, entre várias outras questões.
Já o médico locatário deve estar atento ao cumprimento das determinações legais para o pleno funcionamento da clínica por parte do médico locador, além de evidentemente, observar se o local preenche os requisitos de segurança e acessibilidade que seus pacientes necessitam, conforme a sua especialidade.
Ademais, não menos importante, é recomendado que o médico locatário firme o contrato de aluguel por meio de pessoa jurídica constituída para este fim, tendo em vista os benefícios trazidos, especialmente para aqueles casos em que pretende manter o seu “ponto comercial”, mas muitos desconhecem esse direito.
Outra questão de suma relevância reside na elaboração do contrato de aluguel mensal de salas, haja vista que nele deve ficar bem delineada o tipo de relação que estes profissionais terão, no sentindo de restar claro se o médico locatário fará parte do corpo clínico ou apenas terá sua sala para atendimento totalmente independente e sem qualquer tipo de vínculo com os demais profissionais que ali trabalham.
O cuidado mencionado no parágrafo anterior é devido, no sentido de delimitar a responsabilidade do médico locador e locatário, em casos de eventual demanda proposta por paciente que tenha sofrido algum tipo de dano em razão da atuação do médico locador.
No que tange ao coworking, esta modalidade vem se mostrando cada vez mais rentável para o locador e benéfica para o locatário, seja por questões financeiras, especialmente naqueles casos onde estão iniciando a carreira, seja pelo fato de que o espaço já vem com toda a estrutura montada.
Todavia, convém mencionar que os cuidados devem persistir por parte do médico locador e do médico locatário, assim como ocorre na locação mensal de salas.
O médico locador deverá sempre estar atento à manutenção dos aparelhos que fornece ao médico locatário, como por exemplo: aparelhos de ultrassonografia e eletrocardiograma, tendo em vista que pode vir a ser responsabilizado em eventual caso de erro de diagnóstico realizado por parte do médico locatário. Lembrando que este também deve estar atento às informações colhidas em consulta somado ao resultado do exame.
Por fim, compete ressaltar a importância de o médico conhecer os seus direitos e os seus deveres nas relações que envolvem aluguel de salas, seja mensal, seja coworking, tendo em vista que pequenos detalhes e cuidados podem fazer uma grande diferença no que toca a responsabilidade do profissional frente a eventual ocorrência de erro médico.
Bibliografia:
SÃO PAULO, TJSP, Juizado Especial Cível de São Bernardo do Campo, processo 1008195-79.2021.8.26.0564, DJE. 21/07/2021.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 4ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.





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