top of page

Médica e Saúde

  • Whatsapp
  • Instagram
  • Facebook
  • Linkedin

Inteligência Artificial no Diagnóstico em Saúde: Necessidade de Consentimento Informado do Paciente.

  • Foto do escritor: Ricardo Romano
    Ricardo Romano
  • 25 de ago.
  • 5 min de leitura
    Médica digitando no notebook com estetoscópio ao lado
Médica digitando no notebook com estetoscópio ao lado

  1. Introdução;


A revolução tecnológica na medicina tem transformado radicalmente a prática diagnóstica. Hoje, algoritmos de inteligência artificial analisam exames de imagem, identificam padrões em dados clínicos e auxiliam médicos na tomada de decisões críticas. Contudo, essa inovação traz consigo questões jurídicas complexas, especialmente sobre a necessidade de consentimento informado do paciente quando sistemas de inteligência artifical participam do processo diagnóstico.


No Brasil, onde não existe regulamentação específica para o uso de inteligência artificial em diagnósticos médicos, surgem importantes questionamentos: deve o paciente ser informado quando sua consulta ou exame utiliza IA? Qual o papel do consentimento informado neste novo cenário tecnológico?


  1. O Marco Normativo Atual;


2.1. Inteligência Artificial e o Consentimento Informado;


O fundamento legal para a exigência de consentimento informado encontra-se claramente estabelecido no Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018), que determina:


Art. 22: "É vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte."

Além disso, o Código estabelece no art. 24 que é vedado ao médico "deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar".


No contexto das novas tecnologias, o Princípio Fundamental do Código de ética Médica de número XXV é particularmente relevante, ao dizer:


"Na aplicação dos conhecimentos criados pelas novas tecnologias, considerando-se suas repercussões tanto nas gerações presentes quanto nas futuras, o médico zelará para que as pessoas não sejam discriminadas por nenhuma razão vinculada a herança genética, protegendo-as em sua dignidade, identidade e integridade."

  1. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD);


A Lei nº 13.709/2018 (LGPD) adiciona camadas de proteção quando sistemas de IA processam dados pessoais sensíveis para diagnósticos médicos. Em seu artigo 20 está estabelecido direitos específicos do titular em relação a decisões automatizadas:


"O titular dos dados tem direito a solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses, incluídas as decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito ou os aspectos de sua personalidade."

Para dados sensíveis de saúde, o artigo 11º, inciso I da LGPD exige consentimento específico e destacado.


  1. A Realidade da Prática Médica com IA (exemplos);


a) Radiologia Assistida por IA: Hospitais brasileiros já utilizam sistemas que analisam tomografias computadorizadas para identificar sinais precoces de AVC, priorizando casos urgentes. O algoritmo processa a imagem em segundos, alertando radiologistas sobre possíveis emergências.


b) Diagnóstico Dermatológico Aplicativos móveis com IA conseguem analisar lesões de pele através de fotografias, fornecendo indicações preliminares sobre a necessidade de avaliação especializada.


c) Análise Laboratorial Sistemas inteligentes processam exames de sangue, identificando padrões que sugerem determinadas patologias e auxiliando na interpretação dos resultados.


  1. O Problema do Consentimento Implícito;


Na prática atual, muitos pacientes desconhecem que algoritmos de IA participam de seus diagnósticos. Segundo pesquisa da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) em conjunto com a Associação Brasileira de Startups de Saúde (ABSS), 62,5% das instituições de saúde já utilizam soluções baseadas em IA, frequentemente sem informar expressamente os pacientes, o que é capaz de gerar inúmeros problemas.


Nas palavras do jurista Miguel Kfouri Neto: "O consentimento informado insere-se no âmbito dos direitos humanos fundamentais. Deverá ser documentado e registrado, sob pena de o profissional ver-se impossibilitado de provar a efetiva obtenção do assentimento do enfermo".


Por isso, o uso de inteligência artificial requer adaptações no processo de consentimento informado. Isto, pois, com a utilização cada vez mais acentuada das tecnologias na área da saúde, especialmente da telemedicina, robótica e inteligência artificial, esses deveres de informar com lealdade e transparência, inevitavelmente, se fortalecem.


  1. Da necessidade do Consentimento Específico;


a) Princípio da Autonomia do Paciente:

O direito fundamental à autodeterminação exige que o paciente tenha conhecimento completo dos métodos utilizados em seu diagnóstico. A IA, por sua natureza algorítmica, pode apresentar limitações e vieses que o paciente tem o direito de conhecer.


b) Transparência e Confiança:

A relação médico-paciente baseia-se na confiança mútua. Omitir o uso de sistemas de IA pode comprometer essa relação fundamental, especialmente se o paciente descobrir posteriormente sobre sua utilização.


c) Direito à Explicação:

A LGPD garante aos titulares o direito de compreender como decisões automatizadas são tomadas. No contexto médico, isso significa que pacientes podem exigir explicações sobre como algoritmos contribuíram para seus diagnósticos.


  1. Possibilidade de Recusa;


Alguns pacientes podem preferir diagnósticos baseados exclusivamente na avaliação médica tradicional, por razões religiosas, culturais ou pessoais. Esse direito de escolha deve ser respeitado.


  1. Desafios Práticos na Implementação;


a) Complexidade Técnica:

Explicar o funcionamento de algoritmos complexos para leigos representa um desafio significativo. Como traduzir conceitos de machine learning e redes neurais artificiais em linguagem acessível?


b) Integração nos Fluxos Assistenciais:

Em situações de emergência, onde sistemas de IA priorizam casos urgentes, pode ser impraticável obter consentimento específico prévio.


c) Diferentes Níveis de Participação da IA:

Nem todas as aplicações de IA têm o mesmo impacto no diagnóstico. Sistemas que apenas organizam filas de prioridade podem não exigir o mesmo nível de consentimento que aqueles que influenciam diretamente o diagnóstico.


  1. Propostas de Soluções Práticas;


a) Consentimento Geral Informado:

Hospitais e clínicas podem implementar termos de consentimento geral que informem sobre o uso rotineiro de sistemas de IA como ferramentas auxiliares, permitindo que pacientes optem por não participar.


b) Transparência Ativa:

Placas informativas e materiais educativos podem esclarecer pacientes sobre as tecnologias utilizadas na instituição, promovendo transparência sem burocratizar excessivamente o atendimento.


c) Registro Eletrônico:

Sistemas de prontuário eletrônico podem documentar automaticamente quando IA foi utilizada no diagnóstico, garantindo rastreabilidade e transparência.


d) Comitês de Ética Institucional:

Estabelecimento de protocolos específicos para avaliar quando o consentimento específico é necessário, considerando o grau de influência da IA na decisão médica.


  1. Considerações Finais;


A inteligência artificial representa uma ferramenta extraordinária para aprimorar diagnósticos médicos, aumentando precisão e velocidade. Contudo, sua implementação não pode ocorrer à revelia dos direitos fundamentais dos pacientes.


O consentimento informado, pilar da ética médica moderna, deve evoluir para abarcar as novas realidades tecnológicas. Isso não significa burocratizar excessivamente o atendimento, mas sim garantir que os pacientes mantenham sua autonomia e direito à informação.


A solução passa por encontrar o equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção de direitos, através de:


  • Transparência ativa sobre o uso de IA nas instituições;


  • Consentimento informado adaptado às realidades da medicina moderna;


  • Protocolos claros que respeitem tanto a autonomia do paciente quanto a necessidade de agilidade no atendimento;


  • Regulamentação específica que forneça segurança jurídica para profissionais e instituições.


O futuro da medicina será, inevitavelmente, mais tecnológico. Cabe ao direito garantir que seja também mais humanizado, preservando os valores essenciais da relação médico-paciente na era da inteligência artificial.



Bibliografia:

  • Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018);

  • Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018);

  • Kfouri Neto, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico;

  • Pesquisa Anahp/ABSS sobre uso de IA na saúde (2024);

  • Projeto de Lei nº 2.338/2023 (Regulamentação de IA no Brasil);

  • Portal do Conselho Federal de Medicina - "Consentimento informado na prática médica".



 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

Comentários


bottom of page